Essa
pergunta é muito importante, é uma das contribuições mais fundamentais
de Buda à existência humana - a ideia de "não-eu". Ela é muito complexa
por isso escute atentamente porque ela vai de encontro a todos os
padrões a que você foi condicionado.
Vou apresentar algumas analogias para você ter alguma ideia do que ele chama de não-eu.
Seu
corpo é um saco de pele. A pele define o seu corpo; ela define onde
você e o mundo começam; É uma demarcação em torno de você. Ela o protege
do mundo, o divide do mundo e lhe concede apenas alguma aberturas entre
você e o mundo. (...) Você se livra muitas vezes da sua pele, mas o
processo é muito lento e por isso você nunca se apercebe dele. (...) A
mudança é muito sutil. A pele continua mudando e você continua pensando
consigo mesmo que este é o seu corpo, o mesmo corpo, mas não é o mesmo
corpo é um continnum.
Quando você estava no útero da
sua mãe, no primeiro dia você era apenas uma célula, invisível a olho
nu; Essa era sua pele naquela época, esse era o seu corpo; então você
começou a crescer; Após nove meses você nasceu - e então tinha um corpo
totalmente diferente; Se de repente você se deparasse consigo mesmo com
apenas um dia de idade, recém-nascido, não conseguiria reconhecer que
aquele é você. Você mudou muito. Mas ainda assim você acha que você é o
mesmo. De certa maneira você é porque é a mesma continuidade; e de certa
maneira não é porque tem estado continuamente mudando.
Da
mesma maneira que a pele é o ego. A pele mantém seu corpo dentro de um
padrão, de uma definição, de um limite; O ego mantém o conteúdo da sua
mente dentro de um limite; O ego é a pele interna para que você saiba
quem você é; do contrário estaria perdido - não saberia quem é quem;
quem sou eu e quem é o outro. (...) A ideia do ego é utilitária, torna
você claramente separado dos outros. Mas também é uma pele, uma pele
muito sutil que guarda todos os conteúdos da sua mente - memória, seu
passado, seus desejos, seus planos, seu futuro, seu presente, seu amor,
seu ódio, sua raiva, sua tristeza, sua felicidade; Você guarda tudo isso
num saco. Mas você também não é esse ego. Porque esse também está
sempre mudando e muda mais do que a pele do corpo. A cada momento ele
está mudando. (...)
Assim como você nasceu de
seus pais , você é uma continuidade. Vocês não são o mesmo. Você não é
seu pai não é sua mãe - mas ainda assim é seu pai e sua mãe, porque você
continua a mesma tradição a mesma linhagem, a mesma herança.
Buda
diz que o ego é uma continuidade não é uma substância - continuidade
como uma chama que salta de uma labareda para outra, continuidade como
um rio que flui, continuidade como o corpo.(...)
Buda
diz que quando uma pessoa morre, os desejos acumulados de toda sua
vida, as lembranças acumuladas de toda a sua vida, os padrões e karmas
de toda a sua vida saltam como ondas de energia para um novo útero. É um
salto. A palavra exata na física - os físicos o chama de "salto
quântico" - um salto de energia pura, sem nenhuma substância nela. Buda
foi o primeiro físico quântico, Einstein o seguiu 25 séculos
depois.(...)
Quando uma pessoa morre, o corpo desaparece, a
parte material desaparece, mas a parte imaterial, a parte mente, é uma
vibração. Essa vibração é liberada, transmitida. E então, sempre que um
útero certo estiver pronto para essa vibração, ela vai ali penetrar.
Não
há ninguém indo - não há ego nenhum indo. Não há necessidade de que
nada substancial vá; é apenas um impulso de energia. A ênfase é que isso
é mais uma vez o mesmo saco do ego saltando. Uma casa tornou-se
inabitável, um corpo onde não é mais possível viver; O antigo desejo
pela vida - o termo que Buda usava é tanha, a ânsia pela vida - está tão vivo, ardendo. Esse mesmo desejo dá um salto.
Agora
escute a física moderna. Ela diz que não existe matéria. (...) A
matéria é simplesmente pura energia se movendo em uma velocidade tão
fantástica que o próprio movimento cria a falsa ilusão, a aparência de
substância. (...) A substância não existe, só existe energia pura. A
ciência moderna diz só existe energia imaterial.
Por isso digo
que Buda é muito científico. Ele não fala sobre Deus, mas fala sobre o
não eu imaterial. Do mesmo modo que a ciência moderna extraiu a ideia de
substância da sua metafísica, Buda extraiu a ideia de eu da metafísica
dele. O eu e a substância são correlatos. É difícil acreditar que a
parede é não substancial, isto é, não existe materialmente, é pura
energia, e da mesma maneira é difícil acreditar que não existe
individualidade em você. (...)
Agora vou
apresentar coisas que vão tornar isto mais claro. Não posso dizer se
você vai entender, mas vai tornar tudo mais claro.(...)
Buda
diz não há caminhante apenas o caminhar acontece; A vida não consiste de
coisas. Buda diz a vida consiste de eventos. E é exatamente isso que a
ciência moderna está dizendo: há apenas processos, não coisas - eventos.
Até
mesmo dizer que a vida existe não é correto. Existem apenas milhares e
milhares de processos de vida. A vida é apenas uma ideia. Não há nada
como "vida". (...)
A dualidade é produzida pela
linguagem. Você está caminhando - Buda diz que há apenas o caminhar.
Você está pensando - Buda diz que existe o pensamento, não o pensador. O
"pensador" é uma linguagem que é baseada na dualidade, ela transforma
tudo em dualidade.(...)
A vida é um processo continuo, não apenas "processo" mas processos, uma continuidade, um continnum.(...)
Buda diz que você não tem nenhuma individualidade, o universo é mas não
há individualidade nele... Há milhões de processos, mas nenhuma
individualidade. Ele não tem centro, é tudo circunferência. É muito
difícil você captar isso, a menos que você medite. Por isso Buda não
entrava em discussões metafísicas, ele diz: Medite. Porque na meditação
essas coisas se tornam mais claras. Quando o pensar para, de repente
você vê - o pensador desapareceu. Era uma sombra. E quando o pensador
desaparece, como você pode dizer, como você pode sentir "eu sou"? Não
sobrou nenhum "eu", você é puro espaço. É o que Buda chama de anatta, o espaço puro do não-eu. É uma experiência fantástica. (...)
Foi
isso que aconteceu quando Buda veio ao mundo. Ele entrou no âmago do
seu chamado self e também ficou confuso - o que fazer? "Não existe
individualidade, o self, mas existe reencarnação." Entretanto se
ele não fosse um grande cientista mas apenas um filósofo comum ele teria
esquecido tudo a respeito disso. (...) Buda é ilógico porque a sua
insistência em não ir contra a realidade é absoluta.(...) Ele está
trazendo uma visão real, original; Ele diz que não existe alma,
individualidade, e existe reencarnação. Esse é um salto quântico.
Então,
quando digo que ele é um cientista, quero dizer exatamente isso. E, se
você entender a linguagem da física moderna, você vai conseguir entender
Buda. Na verdade é impossível entender Buda, sem entender a física
moderna. Pela primeira vez a física moderna apresentou um paralelo.
Heisenberg, Planck e Einstein apresentaram um paralelo. A matéria
desapareceu; há apenas energia, sem self nela, sem substância nela; E o
que Buda diz é a mesma coisa: anatta não-eu."(...)
Quando
você se compreende como puro espaço e muitos eventos acontecendo, você
se torna desapegado. Então você se torna destemido, porque não há nada a
perder, não há ninguém para perder nada. E você não mais estará repleto
de ânsia de viver, porque você não se concebe como um self individual.
Por isso não teme a morte e não tem uma ânsia de viver. Não pensa no
passado e não projeta o futuro; Você simplesmente É - tão puro quanto o
vasto céu lá fora; você também se torna um puro céu em seu interior. E o
encontro desse dois céus, o interior e o exterior é o que Buda chama de
Nirvana".
Osho em Destino, Liberdade e Alma
http://ventosdepaz.blogspot.com.br/
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