quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Quando é que o saber é perigoso?

Escrevi-lhe uma carta acerca de determinado problema. O senhor recebeu-a?

K- Não me recordo; qual é o problema?

Não sei se será justo chamar a isso um problema. Na realidade encontro-me numa situação de indecisão. Após a leitura dos seus livros encontro-me diante de um dilema.

K- Já o debateu com o doutor Adikaram?

Já, todavia ainda me encontro confuso. Recentemente terminei os meus estudos no colégio; fui um aluno bastante bom e obtive boas notas e fui bem sucedido nos exames. Mas agora devo decidir se devo frequentar a universidade ou abandonar os meus estudos. Estou persuadido de que se agir assim as chances de eu encontrar um emprego sejam muito fracas, a menos que obtenha um diploma universitário. Porém, se continuar a estudar com a intenção de obter um diploma não correrei o risco de tornar o meu espírito insensível? Desejo cultivar um espírito altamente sensível mas o facto de amontoar conhecimentos arrisca a que aumente a minha insensibilidade, coisa que tornará a mente menos flexível. Tirei muito proveito da leitura dos seus livros mas neles explica que o saber é um obstáculo. Eu próprio compreendo que o saber embota o espírito e torna-o opaco e obtuso.

K- Antes pelo contrário! O conhecimento aguça o espírito e torna-o vigilante e desperto.

Descubro a cada passo que quanto mais conhecimentos adquiro mais o meu carácter não pára de sofrer mudança. Mudam os meus gostos e do mesmo modo o meu aspecto. Desaparece o frescor inocente da minha infância por não cessar de me transformar. Isso não representará um dano?

K- Aquilo que é passível de sofrer mudança não merece ser conservado.

Não sinto ter ficado absolutamente esclarecido. Que concelho me daria?

K- Escute, não possui um pé-de-meia?

Não, não tenho.

K- Gostaria de usar a escudela de mendigo?

Claro que não!

K- Então nesse caso deve completar a sua educação e empregar-se. Trate de obter todas as qualificações exigidas para a obtenção de um emprego. Suponhamos que completa os seus estudos de engenharia; não seja ambicioso e evite dizer: "Vou tratar de ser o melhor e o mais eficaz". É só isso. O desejo de brilhar na sociedade deve ser evitado pois é vulgar. O saber, por si mesmo, é destituído de perigo, mas utilizar o saber como meio de satisfação própria, isso torna a mente obtusa.

Então não é contra o saber?

K- Senhor, porque razão não haveríamos de ter necessidade de mais e melhores conhecimentos? O verdadeiro cientista está constantemente a tentar alargar as fronteiras do conhecimento. Porém, quando um cientista trabalha duro com a intenção de obter o Nobel, isso não representará a busca da própria glória?

Eu nem sempre compreendo bem essa questão. Quando é que o saber é perigoso e em que circunstâncias será ele útil?

K- O fato de utilizarmos o saber para tirar proveito psicológico é que é nocivo.

Nas suas conferências emprega a distinção entre a memória dos factos e a memória psicológica. Aquilo que é efetivo torna-se facilmente compreensível. Mas, por favor, explique o termo "memória psicológica".

K- É um facto que o doutor Adikaram é doutor em filosofia, e a isso chamamos memória factual. Mas, no momento em que passa a considerá-lo uma pessoa socialmente útil só porque possui um título universitário criou uma memória psicológica; não será? Agora, será que consegue olhar diretamente o seu amigo sem o ver através do écran das suas posições ou reputação?

Fico preocupado só mesmo de ver a minha insensibilidade diminuir à medida que envelheço.

K- Seja vigilante e assegure-se de que tal não se produza. Eu sou obrigado a encontrar-me com as pessoas porém, velo para que não me torne insensível.

Susunaga Weeraperuma - Krishnamurti tal como o conheci

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